segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Jovem Guarda: velhas injustiças e preconceitos

* Ricardo Pugialli

É com profundo pesar que escrevo para demonstrar minha indignação e revolta com a "matéria" (sic), do senhor Hugo Sukman, sobre um programa e disco comemorativos da Jovem Guarda, publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo, em 12/4/2005. Ele abre a matéria afirmando que "a Jovem Guarda inexiste na história brasileira". Ele e muitos outros "jornalistas" e "escritores" vivem a denegrir o maior movimento musical, comportamental e jovem do Brasil, idolatrado pelas camadas A, B, C, D, E e todas as letras do alfabeto. Até mesmo pelas "elites bem pensantes", como ele preconceituosamente colocou, relegando às "massas humildes e incultas" o amor pela música jovem.

Como biógrafo da Jovem Guarda, autor do "almanaque" 'No Embalo da Jovem Guarda', nascido em um subúrbio do Rio de Janeiro, atesto que ainda existe um preconceito enorme, por parte da pretensa "elite cultural", contra os músicos e a música da Jovem Guarda. Até mesmo este jornal teve preconceito, pois foi o único jornal em todo o Brasil que ignorou o lançamento de meu livro, que contextualizou a Jovem Guarda na História Brasileira.

Comparar o programa Jovem Guarda ao Domingão do Faustão foi outra idéia infeliz. O que se tornou um programa de televisão em 22 de agosto de 1965, durando até maio-junho de 1968, foi um movimento musical jovem, iniciado em 1957-1958, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro. O sucesso dos "garotos de subúrbio", "sem cultura musical", "sem berço", "sem técnica", e tudo mais que provocava a inveja e desprezo de uma minoria intelectualizada e preconceituosa, era (e pelo visto ainda é) inaceitável. Como estes "suburbanos pobres" estão nas capas de todas as revistas, nas TVs, vendendo milhares de compactos, compactos duplos e LPs, fazendo sucesso com todas as meninas e mulheres? Os nomes podem ser talento, carisma, competência, etc.

O rock chegou ao Brasil em 1957, com versões nacionais de sucessos americanos, culminando com a apresentação de Bill Halley e seus Cometas no Rio e em São Paulo, em 1958, com Roberto Carlos fazendo o número de abertura no Maracanãzinho. Depois vieram os Beatles e viraram o mundo (e o Brasil) de cabeça para baixo. O desconhecimento por parte de nossos "jornalistas" e "escritores" levam a erros de datas e informações, permitindo que revistas musicais estrangeiras perpetuem o preconceito contra a Jovem Guarda na Europa e nos Estados Unidos.

Discutir gosto musical é o mesmo que discutir futebol: cada um tem a sua predileção. Isto chama-se DEMOCRACIA. Se gostar da Jovem Guarda é proibido, pois a Jovem Guarda nunca cantou músicas de protesto, nunca se engajou neste ou naquele movimento, isto nos levará ao momento social que o Brasil vivia nos anos 60. Apenas uma ínfima parcela da população alcançava as faculdades e assim faria parte da "elite pensante e engajada".

Ao invés de culpar a Jovem Guarda pela inocência e romantismo de seus membros, a "alienação" dos jovens que os cultuavam, a carência de amor e alegria de todo o povo, culpem os governantes da época. Faça uma matéria desta contra ministros e secretários de educação dos anos 60, contra as políticas sociais da época, etc. Mas não vai vender, não é senhor Sukman? O que vende é Jovem Guarda!

O que se cobra da Jovem Guarda eram canções de protesto, de luta, de crítica? É triste constatar que em muitas faculdades de comunicação os professores ensinam aos seus alunos o desprezo e o preconceito contra a Jovem Guarda nos dias de hoje! Então temos que criticar todo o povo que queria ouvir canções de amor, de carinho. De uma maneira, a Jovem Guarda suavizou as coisas para a juventude e até mesmo seus pais.

Se os jovens artistas que povoaram as paradas de sucesso, as revistas, os jornais, as TVs e os corações de toda uma geração não tivessem talento, não estariam dirigindo os setores artísticos das principais gravadoras do Brasil, produzindo música brasileira (rock, mpb, sertaneja, axé, etc).

Além disso, a Jovem Guarda foi a primeira manifestação jovem com instrumentos, roupas, gírias e comportamento próprios. Se o senhor vai dizer que tudo foi importado, nada foi original, assim também foi com todos os movimentos musicais que o citou. Nosso país tem apenas 505 anos. Importamos as culturas de todos os povos que formaram a nossa população. E assim criamos nossa identidade, nossa realidade.

Este tipo de cobrança, de coerência, poderiam então ser feitas a grupos atuais que, num momento são altamente engajados e atuantes, e num outro cantam em propagandas de refrigentes que lavam os estômagos e as mentes da garotada.

E o seu preconceito vai ao ponto de dizer que "a Jovem Guarda só originou a moderna música brega brasileira" e que "Sérgio Reis mantêm-se no espírito original da Jovem Guarda". Senhor Sukman, voltamos então aos tempos de "Jovem Guarda: odeie-a ou ignore-a"? Que coisa democrática, não?

O aeroporto está logo ali. Pode ir embora.

* Ricardo Pugialli é autor do livro 'No Embalo da Jovem Guarda'.

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